As palavras (de Sergio Santeiro).
As primeiras letras formam as palavras que formam as frases que formam
os pensamentos. E como as aprendemos? São vários os métodos e mesmo
que não aprendamos a lidar com elas, e seus caprichos gramaticais,
delas nos servimos ao falar, livremente. Assim é que a lingua escrita
não é a mesma que a lingua falada e segundo estudiosos no assunto
ambas merecem igualmente sobreviver.
Leio no jornal em papel que o JB, o Jornal do Brasil, o secular, vai
deixar de ser papel, e estará impresso apenas na versão digital. Isto
é bom, isto é mau, é sinal dos tempos. E nem quer dizer que tudo que é
de papel desmancha-se no virtual. Não será parecido com a mudança do
linotipo e seu chumbo letal para o que hoje se faz em impressão?
Começar ou passar o dia antenado no que é o começar ou o passar do dia
das demais pessoas é um hábito arraigado principalmente me parece na
vida urbana. Sabe-se também que os leitores habituais tem o seu método
de leitura: começa aqui, passa por ali, penso que a maioria lê tudo ou
quase tudo.
Às vezes não me demoro no que não gosto, esse maldito gosto da mídia
pelas tragédias ou o sobe e desce dos cadernos esportivos, mas passo
os ohos em tudo, até do que não gosto, esse maldito gosto da mídia
pelas tragédias ou o sobe e desce dos cadernos esportivos.
Sem dizer que gosto menos ainda do exaltado desfile de
estrangeirismos, por que on-line e não na linha? Imprimem mais o que
se faz e se diz lá longe do que o que se passa no clube da esquina.
Sim, tem a previsão do tempo e a cotação das bolsas mundo afora. Mais
difícil é saber se chove ou faz sol na minha horta.
Palavras que do papel passaram às tevês, mantendo-se como em sua
experiência anterior, no rádio, faladas, ou mais precisamente berradas
numa cantilena monocórdica. A televisão continua radiofônica, não sabe
inventar um visual, apenas reproduz cenários realistas e com uma
minúcia estarrecedora.
Acho que eles acham que a palavra calçada numa moldura faz melhor à
vista e engana o ouvinte. Eu por mim, quando vejo, e vejo pouco, fico
atônito na multidão de estímulos verbivocovisuais que como dizia
Shakespeare, nada significam. O papel não nos engana, podemos reler,
rever, guardar pra ler mais tarde com outra cabeça. E no dia seguinte
tem outro.
Talvez nada se perca na edição virtual e ganha-se os macetes que a
máquina na mão oferece. Perde-se o cheiro, como do pão fresco de
padaria, seu habitual parceiro na manhã de muitas gentes. Perde-se o
tato, o virar e dobrar a página, o que também tem o seu método, além
da mestria em ler na condução lotada.
As palavras, não, as palavras não se perdem, elas andam por aí tudo,
sem elas não se tem sequer como falar. Parece que a maioria dos
animais se comunicam, falam entre si, conversam, avisam, será que usam
palavras? Não como as nossas, alguma forma de palavras.
Não escrevem, não leem jornal mas fazem-se entender pelos parentes,
talvez ainda melhor que nós. Suas palavras devem ser mais justas, mais
verdadeiras. Palavras amargas, palavras duras, palavras pesadas,
palavrões. Os da minha época viraram vírgula ou ponto, todo mundo fala.
E como dizia Mário de Andrade a nossa é a única lingua que possui o
admirabilíssimo ão. Nada aqui pode ser pequeno, tudo tem que ser
grandão, também com esse mundão de terra, gente e coisas. Olha só a China!
E a palavra amiga, a que socorre, a que consola, a que anima. A
palavra que diz sim e a que diz não, melhor a que diz talvez, que nos
dá tempo de uma segunda chance. Posso dar uma palavrinha com vosmicê?
Se tirarmos a palavra, o que nos resta? Vai nos vai restar,e talvez resolva, a telepatia, sinal dos
tempos.
Sergio Santeiro (santeiro@vm.uff.br).